segunda-feira, 28 de outubro de 2013

TEATRO: PARA FALAR DE AMOR

TEATRO: PARA FALAR DE AMOR. Para Vico O motivo principal que me levou um dia a fazer teatro foi você. Depois o próprio teatro se encarregou de ser o único motivo. Não há arte mais viva. A simples presença de um corpo no palco cria a urgência da vida; e ela transborda. Esse ato faz do teatro a Arte por excelência. A vida interior e espiritual vem colocada em toda sua exterioridade corpórea. Quem subiu num palco e recitou sabe o que é; e é muito. Ontem, eu e Sabrina fomos ao teatro. Ao Piccolo Teatro Strelher, uma instituição milanesa. O diretor era Pippo Delbono. O nome do espetáculo, Orchidee. É uma coprodução europeia (França, Itália, Suiça), pois Delbono é nome internacional, trabalhou com Pina Bausch, apresentou-se com sua companhia em mais de 50 países. Seus atores são o que há de aparentemente mais diverso: um do hospício, outro com síndrome de down, outra balzaquiana, aquele outro viado. Simplesmente estão presentes. Presentes e íntegros, burlando todos os nossos preconceitos. O espetáculo começa com a sua voz que convida todos a desligar o celular e ter um bom divertimento, e ao questionamento desse convite corriqueiro hoje nos teatros, segue a projeção de uma entrevista com uma senhora francesa que mais conservadora não podemos encontrar. Ela é bela, límpida, articulada e reacionária, perfeitamente reacionária. É a imagem de Marie Le Pen, a líder do Fronte Nacional que atualmente lidera a preferência de voto do eleitorado francês. Uma gigantografia de Berlusconi domina o cenário por alguns instantes. E a voz do diretor nos joga dentro desse seu mundo nosso.Tudo é muito despojado e te provoca. Na sua tentativa de parar o tempo que atravessa, Delbono conta o tempo que vivemos. Um tempo onde ele se diz confuso e confessa de haver a sensação de ter perdido a fé política, revolucionária, humana, espiritual. Um ator serve docinhos à plateia. Imagens, som alto, música. A música te entra sem pedir licença. Corpos que passam, dançam. Dança sem ser dança, dança de roda, dança de meninos, mimo. Árvore de cerejas, arranha-céus americanos, Miles Davis, Pasolini, Patagonia, Mascagni, Shakespeare, mulheres africanas, orquídeas. Poemas, textos de teatro, clássicos. Homens nus se abraçam. Megafones, playback, imagens, quadros, fotos, máscaras, travestimentos. Penumbra, muita penumbra agindo com clareza. Delbono se coloca no proscênio. É dele que se fala. Segundo o diretor, Orchidee nasce também do grande vazio deixado pela morte de sua mãe há um ano. O filme, feito com o celular, da mãe no leito de morte é tocante. A senhora em estado decrépito lhe diz com um carinho e fé infinita de não haver medo, que ela se vai preparando o caminho do reencontro . Tudo inunda de emoção quem passou por esses momentos recentemente, como eu. Tudo é comovente, quer ser comovente e o é em uma dimensão de imensidão e proximidade extraordinárias. Delbono é homem da minha geração que cresceu comendo o pão da retórica revolucionária e Woodstock com guerra fria, Biafra, Deep Purple e LSD. Às vezes pode parecer datado, mas não é, porque as questões fundamentais ainda estão em pauta no contínuo embate da vida com a morte, da dignidade com a infâmia, da plenitude com o vazio. Lampedusa não nos deixa esquecer. Vive em Delbono a necessidade de preencher os vazios culturais, sociais e existenciais. Como se a sua vida fosse, como diz, transformada, talvez, na vida de tantos outros; essa necessidade de, apesar de tudo, escrever e falar de amor. Por isso e muito mais te escrevo, amiga e comadre querida: para falar de amor. Exibições: 14

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